Espaço MIRA, Porto
O tempo de Pedro Tudela
A partir do dia 19 de Dezembro o Espaço MIRA conduz o espectador numa viagem pelos espaços e tempos da obra de Pedro Tudela.
O reconhecido artista português, com uma estética muito própria e um nível extremo de experimentação de formas e práticas, é um dos grandes nomes da arte de instalação no país. Verifica-se, no seu trabalho, o alcance da expressão do sensível através de processos tecnológicos e o entendimento do som a um nível plástico.
Na exposição agora patente, a sua obra tanto habita o espaço como o absorve por completo. Desde a música que se propaga por toda a área até à iluminação vermelha, entre as imagens fixas nas paredes à projeção de outras em fluxo, a galeria altera-se por completo e ganha uma nova vida que conhece o seu fim, a morte. Nas fotografias impressas em acetato vivo, apresentam-se indícios e vestígios do corpo, do desaparecimento deste, objetos de natureza-morta, testemunhos de atos de violência e, em última instância, a própria morte.
As imagens expostas sob uma luz vermelha, mostram-se afastados da realidade, parecendo, então, apenas excertos desta, de um passado, de uma ocorrência que já foi. Para os praticantes da técnica fotográfica, esta luz reporta-se, inevitavelmente, ao laboratório de fotografia, ao momento em que se revelam os negativos que detêm as imagens criadas com a câmara. É, também, neste mesmo ambiente concebido na galeria, que se revela a imagem ao espectador comum. Apenas numa aproximação e deslocamento, com um olhar curioso e atento, se tornam visíveis as imagens, uma a uma, detentoras do seu próprio lugar e proporcionando múltiplas e singulares perspectivas. A ação do observador, a sua participação, torna-se crucial num percurso que eleva a fotografia a algo mais do que uma imagem, imaterial, concedendo-lhe uma dimensão objectual. Assim se observa como esta técnica de produção ganha uma forma quase escultórica, quando explorada nas suas mais altas capacidades.
Esta série de 16 fotografias é apenas um excerto do trabalho global. O conjunto constitui uma vários elementos bem articulados que suavizam o carácter moribundo inicialmente presente. Essa forma e leitura global da obra estende-se pelo resto da sala e, em oposição à primeira fracção, mantém-se ativa, dinâmica, em ritmo, através de vídeos que, numa composição como se fossem pixéis de uma imagem, criam um grande plano de ação e movimento.
Em cada um dos 166 vídeos da autoria de Tudela, apresentam-se pequenos momentos, fragmentos de memória que contam histórias ao som da melodia da música de Léo Ferré, cujo nome dá título à obra: Avec le Temps. Um som que, apesar de carregar tristeza, não contagia pela negativa quem o ouve pois é contraposto pela animada sucessão de imagens que se anunciam. Numa agitação ordenada pelas linhas verticais e horizontais, vários tempos são condensados numa espécie de jogo de puzzle, feito quase ao acaso, acelerado e diversificado, tanto colorido quanto monocromático, com presenças e indícios da natureza e do homem. Aqui, a obra já não remete para a morte, mas torna-se inteiramente viva e fornece múltiplas viagens no tempo do artista.
Para que o espectador consiga observar atentamente e individualmente cada vídeo deve, mais uma vez, aproximar-se, sendo que a sua sombra também passa a ser projetada nas paredes. O público é, assim, incitado a entrar na obra e a sentir-se parte desta ou, pelo menos, a reconhecer que um rasto seu lá passa. É deste modo que, curiosamente, a oportunidade que é dada de fazer parte desta fracção mais viva do trabalho é concretizada, unicamente, de um modo fantasmagórico.
Nessa dimensão obscura e num segundo momento, que será em Janeiro, chegará ao Espaço MIRA uma outra presença corpórea. Será preenchida pela voz de Ferré, completando assim a melodia agora reproduzida, provando que o trabalho é, de facto, um todo, em que as partes se complementam. Num outro espaço o artista (Tudela) cria um site-specific, que transporta o Espaço MIRA para uma nova dimensão. Anuncia-se um jogo de linhas, luz e sombra, num palco onde as forças de presenças ausentes se confrontam e afirmam em duas cadeiras. Esta outra galeria irá convidar o espetador a um percurso que funciona como uma transição espacial e temporal, numa dinâmica que conduz à mais sombria experiência desta exposição. Aqui, a instalação e a forma escultórica evocam o tempo e a memória, mostrando uma outra abordagem possível a esta complexa temática.
A interpretação destes elementos vivenciais e a exploração do médium fotográfico, do vídeo e do som, levados ao seu expoente máximo, tornam esta exposição altamente inovadora e contemporânea. Quer esta quer o universo criativo do artista serão desvendados numa conversa entre o próprio e o artista João Sousa Cardoso, dia 9 de Janeiro, no espaço da exposição. Entretanto, e até 30 de Janeiro, as portas do Espaço MIRA estão abertas para conhecer esta imperdível proposta de Pedro Tudela.
Constança Babo
Photos ©Patricia Barbosa